Milagres

Os milagres, uma intervenção extraordinária de Deus

Conceito de milagre
Factos excluídos da noção de milagre
A razão pode admitir a existência de milagres?
É possível verificar a existência de milagres?
Milagre de Cristo
Curas miraculosas
O medico perante as curas miraculosas
Valor do milagre

A palavra milagre provoca àqueles que a ouvem as reacções mais desconcertantes. Se há os indiferentes  que não passam dum simples talvez ou que encolhem os ombros, muitos há que afirmam entusiasticamente a existência de milagres, como há quem os negue encarniçadamente.
Qual será a nossa posição? Se pela fé estamos prontos a aceitar a existência de milagres, a nossa razão estará disposta a fazer o mesmo? É o que procuraremos analisar nas linhas seguintes ao respondermos às  seguintes interrogações:
ü  Será possível admitir racionalmente que possa haver milagres?
ü   Haverá milagres?



Conceito de milagre

Definiremos milagre como um fenómeno verificável exteriormente, inexplicável pelas leis da natureza e operado por Deus.
Analisando esta definição, podemos concluir que para um facto ser considerado miraculoso é necessário que se cumpram três condições:

1.      Que se trate dum facto sensível, isto é, que seja verificável pelos sentidos.
2.      Que se trate de um facto realmente extraordinário, não explicável pelas leis da natureza.
3.      Que se trate dum facto operado por Deus. Sendo um facto operado por Deus, é evidente que:
a)      Deve ser um facto racional e moralmente bom, nunca uma fantasia ou prestidigitação de carácter dúbio.
b)      Deve ter uma finalidade espiritual evidente.
c)      Deve ter em vista um bem de ordem geral ou individual.

Para que um facto seja considerado miraculoso é preciso que preencha ainda as seguintes condições:
-          Relativa pouca frequência. Não há milagres em todos os dias nem em todos os pontos do globo. O milagre é raro.
-          Instantaneidade.


Factos excluídos da noção de milagre:

1.      Os factos que a ignorância reputa miraculosos – Os cometas, estrelas cadentes, eclipses, etc. poderiam ser considerados miraculosos por aqueles que não conhecessem a sua causa.
O aldeão admira um eclipse do sol; o astrónomo não se espanta. Mas o milagre é um acontecimento que produz plenamente a admiração no sentido de que a causa é completamente oculta a todos.
S.Tomás de Aquino

2.    Factos em que se poderia perguntar se as forças naturais não seriam suficientes para os provocar. É, por exemplo, o caso da cura instantânea de certas doenças (p. ex. paralisias), em que se não pode afastar completamente a hipótese de a sugestão ter desempenhado um papel importante.
Não que dizer que algumas destas curas não sejam realmente miraculosos, mas na impossibilidade de ter uma certeza, não são consideradas. É por esta razão que a Igreja se tem mostrado renitente em admitir curas miraculosas de doenças nervosas.


A razão poderá admitir a possibilidade da existência de milagres?

Vários pensadores têm negado a possibilidade da existência de milagres. Iremos em seguida analisar as principais objecções formuladas e procurar refutá-las.

1.      Deus não existe; portanto, se Deus não existe, não se pode admitir qualquer forma de intervenção divina.

2.      O milagre repugna à sabedoria e imutabilidade divinas – Para SEAILLES  o milagre seria um processo infantil, indigno duma grande inteligência, à qual  não conviria perturbar as leis por Ele estabelecidas. Deus fazendo um milagre teria em vista retocar a Sua obra, o que iria contra a Sabedoria divina.
Outros autores dizem que, sendo uma alteração à ordem que Deus estabeleceu, o milagre seria uma mudança da Vontade divina, o que iria contra a Sua Imutabilidade.

Refutaremos estas críticas demonstrando que o milagre não é contrário nem à Imutabilidade nem à Sabedoria divinas.

a)      Não é contrário à Imutabilidade divina

Como Deus desde toda a eternidade planeou e portanto previu tudo o que vai acontecer no mundo, é evidente que não pode alterar seja o que for a esse plano. Se considerássemos o milagre como uma alteração dos planos de Deus teríamos que concluir a impossibilidade do milagre ou de admitir que Deus não é imutável, mas se admitirmos que o milagre não constitui uma alteração da vontade divina mas que faz parte do plano eternamente estabelecido por Deus, a conclusão já será outra.
A eternidade de Deus consiste em que todos os momentos do tempo estão igualmente presentes perante Ele; é-lhes, pode-se dizer, contemporâneo. É por isso que Deus não prevê os nossos actos mas vê a nossa vida toda inteira desde o nascimento até à morte, desenrolada diante d’Ele (Verneaux).   

b)      Não é contrário à sabedoria divina 
Os milagres seriam de facto contrários à sabedoria divida se tivessem por objectivo retocar a sua obra. Todavia é fácil de constatar que Deus só fez milagres com outros objectivos:
-          para manifestar o seu poder
-          para manifestar a sua bondade
-          para confirmar a sua doutrina.

E acima de tudo não será uma pretensão excessiva ousar afirmar que Deus deveria ou não agir em tal caso? A quem pense assim poder-se-ia aplicar a questão que Yahvé faz a Job: Onde estavas tu quando eu fundei a Terra? (Job XXXVIII 4).

3.      A noção de milagre é inaceitável pela razão e pela ciência

No grande Dicionário Universal Larousse do século XIX pode-se ler a propósito da palavra Milagre:
Se fosse possível mesmo um único milagre, deveríamos deitar fogo aos nossos livros, fechar os nossos observatórios e os nossos laboratórios, construir ao acaso as nossas máquinas, os nossos navios, os nossos comboios e entregar-nos à sabedoria divina para a condução das coisas deste mundo. O estudo das Ciências não tem outro interesse que o de considerar as relações entre as coisas, descobrir aí leis constantes, verificá-las pela existência e coordená-las num sistema cada vez mais geral.
Basta que um só fenómeno pareça escapar à lei para que o sábio se preocupe e se veja obrigado a concluir que a sua teoria é falsa e incompleta e desde então ele procura modificá-la ou alargá-la até que ela possa abraçar todos os casos possíveis; mas se ele pudesse supor que este fenómeno fosse devido a uma intervenção fortuita duma causa que escapa à sua compreensão, ele deitaria imediatamente pela janela a sua retorta e o seu compasso, pois a que propósito iria ele estudar o que se subtrai ao seu estudo? Em seguida ao seu desespero suceder-se-ia o terror; que segurança lhe poderia oferecer a permanência num globo que sob o jugo duma mão desconhecia o poderia em todo o momento deitar for a da órbita e precipitar no abismo?…

E muitos outros autores se manifestam do mesmo modo. Deles destacaremos RENAN e BERTHELOT:

Não é porque me tenha sido previamente demonstrado que os Evangelhos não merecem crédito absoluto que eu rejeito os milagres que eles contam. É porque eles contam milagres que eu digo: os Evangelhos são lendasO mundo está hoje sem mistério.
Renan

A noção de milagre e sobrenatural sumiu-se como vã miragem, como um preconceito antiquado.
Berthelot

Estas citações permitem bem compreender como o materialismo científico tão em moda no século XIX, refutava a noção de milagre, em nome da ciência.

É evidente que o milagre, sendo por definição inexplicável pelas leis da natureza, sai fora das leis que a ciência estuda e, para o cientista, surge como um facto que ele não consegue explicar, como uma excepção às leis que ele teve tanto trabalho em elaborar ou comprovar.
O milagre não suprime o determinismo das leis naturais.

Este determinismo, expresso na constância dessas mesmas leis, não só não é contra o milagre, como é exigido por ele para se poder manifestar. Suspender a aplicação de uma lei não é violá-la nem suprimi-la.
Se o efeito ultrapassa as possibilidades da natureza, seria ilógico atribuir-lhO. Somos logicamente levados a buscar-lhe causas extra e preter-naturais, porque um efeito, sob pena de se negar a lógica e a ciência, tem de ter necessariamente uma causa proporcionada. É absurdo que o efeito seja superior à sua causa.
Martins dos Reis

O facto de o milagre transcender as leis da ciência não obriga a concluir que estas leis não sejam certas e que seja preciso escolher entre milagre e ciência. Obriga simplesmente o cientista a averiguar honestamente, sem ideias preconcebidas, se existem ou não factos extraordinários não explicáveis pela ciência e atribuíveis a uma Causa Primeira.

4.      Os milagres não são factos sobrenaturais; são factos considerados hoje sobrenaturais, por serem explicáveis por leis que ainda não conhecemos

 Refutaremos esta objecção dizendo que será difícil de compreender porque, sendo o milagre devido a uma lei desconhecida, nas mesmas circunstâncias de lugar, de tempo, e de meios, por vezes se observam factos miraculosos e outras vezes não.

Não é característico de todas as leis, a sua reprodução e circunstâncias idênticas?

Por outro lado, é evidente que não conhecemos todas as leis da natureza. O prodigioso avançar da ciência vai-nos dia a dia revelando factos novos, mostrando-nos a existência de leis desconhecidas. Mas por mais que a ciência avance, a combinação do oxigénio com hidrogénio nunca dará cloro, não se obterão rosas semeando trigo, assim como uma palavra humana será sempre insuficiente para acalmar uma tempestade ou para ressuscitar mortos.

Estas considerações são também válidas para as curas. Porque as leis desconhecidas não abolem as leis conhecidas, e uma cura natural tem as suas leis. Primeiramente, é tanto mais lenta quanto o mal é mais extenso ou mais avançado. Na maior parte das vezes não se realiza sem uma intervenção exterior que tira o doente do foco mortal ou lhe fornece forças para lutar contra ele. A doença, principalmente se é muito grave, deixa vestígios e fica sempre sujeita a recaídas. Enfim, em casos semelhantes devem-se poder observar curas semelhantes. Ora, todas estas características faltam nas curas miraculosas. São em geral instantâneas. Realizam-se na ausência de qualquer tratamento médico ou após a falha de todos os tratamentos ensaiados. São definitivas e não sujeitas a recaídas. Em condições idênticas produzem-se ou não. Não é razoável concluir-se que factos deste género não são devidos a um processo natural?
Como invocar a seu favor não sei que leis desconhecidas? Estão em contradição com próprio princípio das leis: todo o efeito exige uma cauda proporcionada e em todos os casos em que a causa se aplica deve-se seguir o efeito .
Berthelemy

Concluindo: O milagre é possível pois não repugna à sabedoria e imutabilidade divina e não invalida as leis científicas.

5.      Os partidários da contingência e da continuidade como LEROY afirmam que o Universo longe de estar sujeito ao determinismo é um ser que evolui, que se muda continuamente sem jamais se repetir. Daí a impossibilidade de se estabelecerem leis imutáveis: Só pode haver leis que se modificam sem cessar com a evolução dos seres. Além disso, em virtude do princípio da continuidade, tudo no mundo está concatenado. Um fenómeno não deve portanto ser isolado do conjunto dos fenómenos a que está ligado e que o explicam. Ora, se no mundo tudo é imprevisto e contínuo, se não há leis absolutas, como poderá existir o milagre? Não pode haver excepção senão onde há uma regra.
Não faremos uma crítica das bases filosóficas desta teoria. Diremos apenas que se a aceitarmos teremos de concluir que não havendo leis, é evidente que não pode haver milagres, mas, sendo assim, também não pode haver ciência, pois que toda e qualquer ciência utiliza leis.


É possível verificar a existência de milagres?

A possibilidade de verificar um milagre é negada por alguns racionalistas e especialmente pelos positivistas (LITTRÊ, RENAN CHARCOT e SEAILLES).

Julgamos que em nenhum dos factos históricos se comprovou a intervenção de um poder sobrenatural.
Não é nome desta ou daquela filosofia, é em nome da experiência constante que banimos o milagre da história. Não dizemos o milagre é impossível, mas sim, até hoje ainda não se verificou um único milagre”.
Renan


A verificação do milagre será possível?

Temos de considerar duas hipótese:

1.      Trata-se de um facto actual, contado por testemunhas oculares.
2.      Trata-se dum facto passado, narrado por documentos históricos.

1.      Trata-se dum facto actual – Para que um facto contado por uma testemunha ocular se possa considerar miraculoso é preciso demonstrar que a testemunha é proba e que os factos narrados preenchem as condições necessárias para serem considerados miraculosos.
a)      Probidade da testemunha – Como sabermos que uma testemunha é veraz? Pela análise da testemunha e do valor do testemunho. É evidente que o testemunho de uma pessoa crédula, disposta a aceitar tudo o que pense ser sobrenatural é muito menor que o testemunho de uma pessoa que não aceite a possibilidade da existência de milagres. Por outro lado, a importância do testemunho é tanto mais considerável quanto maior for o número das testemunhas que se possam  julgar verazes.
b)      Condições necessárias para que os factos narrados sejam considerados miraculosos – Sendo o milagre um facto sensível, extraordinário e operado por Deus, a testemunha deve verificar a existência destas três condições:
-          A realidade do facto sensível
-          O seu carácter extraordinário
-          A causalidade divina

-          Não é difícil a constatação do facto sensível. Embora o milagre transcenda as leis da natureza, é um facto sensível como outro qualquer, caindo portanto sobre a alçada nos sentidos – um cego passou a ver, um morto ressuscitou, um pote com água passou a ter vinho, etc. ..

-      Pode-se reconhecer também que o facto é sobrenatural? Sem dúvida. Basta constatar a existência duma desproporção absoluta entre os efeitos produzidos e os meios empregados: p. ex. uma palavra é um meio insuficiente para restituir a vida a alguém.


2.      Trata-se dum facto passado. Neste caso às condições enumeradas anteriormente é preciso acrescentar as exigidas pela crítica histórica (veracidade dos documentos).

Terão existido milagres que tenham preenchido estas condições, isto é, houve milagres verificados?
É o que procuraremos responder nas considerações seguintes.


II – MILAGRES DE CRISTO

Os milagres realizados por Cristo encontram-se descritos nos Evangelhos. Nesta exposição é evidente que supomos aceite por todos a veracidade dos Evangelhos.
Basta ler o Evangelho para ver que os milagres realizados por Cristo foram muito numerosos e mesmo assim S. João faz notar que Jesus fez muitos mais do que os descritos.

Podemos dividir do seguinte modo os milagres realizados por Cristo:

Curas

Jesus cura crianças





 Quadro de Carl Vogel von Vogelstein





Sogra  de Simão





Quadro de John Bridges~



Cegos






Quadro de Nicolas Colombel´





Quadro de El Greco
Cego de Betsaida



Quadro de Gioacchino Assereto
Cego em Jerico





Quadro de Eustache Le Sueur

Paraliticos






Cura do paralitico em Betesda
Quadro de Aertsen






Cura do paralitico em Cafarnaum
Quadro de Bernhard Rode





.Paralisia da mão
371




Catedral de Monreale
Servo do centurião
372



Quadro de Veronese






Quadro de Jean Marie Doze



.
Quadro de Harold Copping


Ressurreição dos mortos


Jovem de Naim





Filha de Jairo








Quadro de Lucas Cranach Jovem








Quadro de Repin


Lazaro




Quadro de Giuseppe  Salviati




Quadro de Alessandro Magnasco





Quadro de Geertgen tot Sint Jans






Quadro de SIMON VOSS


Controle da natureza

Bodas de Canaá





Quadro de Giotto




Quadro de Marten de Vos






Quadro de James Tissot







Quadro de Carl Bloch










Quadro de GERARD DAVID


Outras ilustrações

QUENTIN, Varin



Jesus anda no mar



Ilustrações





Quadro de Ivan Aivazovsky


.



Quadro de Julius Klever







Cristo acalma a tempestade






Quadro de Rembrandt







Quadro de ChiricoTextos





Pesca miraculosa


Ilustrações










Quadro de Rafael








Quadro de Losenko






Ilustrações





Quadro de Pietro Perugino




Quadro de Rafael






Outras ilustrações

BOLSWERT, Schelte Adamsz.
JOUVENET, Jean
TOEPUT, Lodewijk
UGO DA CARPI



Ilustrações




Quadro de Bernardo Strozzi.~






Les Tres Riches Heures du Duc de Berry









Faz secar a figueira

Previsão de acontecimentos futuros
Por exemplo, previu que Pedro O negaria três vezes e previu a Sua Ressurreição.

Conhecimento de factos passados de que não tinha qualquer informação
Por ex. quando disse à Samaritana  tudo o que tinha feito antes de a conhecer – (Jo. IV 17-18).

 Clarividência
Llia os pensamentos (Mat. IX, 4).


Veracidade destes milagres

Vários autores têm recusado a veracidade destes milagres. Nas linhas seguintes ordenaremos estes argumentos e procurá-los-emos refutar:

1.      Os milagres feitos por Cristo não existiram nem se encontravam descritos nos Evangelhos: Foram interpolados no texto.

Se se tratasse de dois ou três milagres apenas talvez se pudesse admitir tal hipótese. Todavia, o número de milagres é bastante elevado. S. Mateus cita 24, S. Marcos 22, S. Lucas 24 e S. João 9.
Ora os milagres fazem parte integrante do texto evangélico.
Em primeiro lugar, os milagres estão ligados inteiramente à fé dos discípulos.

 Compreende-se que num tempo em que a massa do povo permanecia iletrada, o milagre tivesse sido necessário para a demonstração duma doutrina que ia contra as ideias geralmente recebidas e podiam ser para alguns motivo de escândalo.
Boulenger

É assim, por exemplo, que depois do milagre de Caná os discípulos creram nEle (Jo. II, 11) e que enquanto estava em Jerusalém durante as festas da Páscoa muitos acreditaram no seu nome, vendo os milagres que fez.
S. Pedro dirigindo-se ao povo dizia: Homens de Israel, escutai estas palavras. Jesus o Nazareno, esse homem que Deus fez acreditar perto de vós pelos milagres e sinais… (Actos. II, 22).
Podemos perguntar com BOULANGER se S. Pedro ousaria apelar para estes milagres se deles pudessem duvidar os seus ouvintes.

Por outro lado, o próprio Jesus invoca os  seus milagres:
Ora João na sua prisão tinha ouvido falar das obras de Cristo. Enviou-lhe os seus discípulos para lhe perguntar:
És o que deves vir ou devemos esperar por outro?
Jesus respondeu-lhes. “Ide relatar a João o que ouvistes e vistes: os cegos vêem, os coxos marcham, os leprosos estão curados, os surdos ouvem e os mortos ressuscitam” (Mt. XI, 2-5).

Notemos ainda que a simplicidade das narrações e o facto de a sua descrição fazer corpo com o resto do texto e ter o mesmo estilo, não facilita a hipótese duma interpolação.
Além disso os milagres de Cristo não se encontram descritos apenas nos Evangelhos. QUADRATO fala de miraculados ainda vivos no tempo de Trajano. POLICARPO DE ESMIRNA e JUSTINO referem-se também aos milagres de Cristo. O próprio Talmude refere-se também aos milagres de Cristo, embora os atribua à magia, do mesmo modo que alguns adversários da religião cristã, como CELSO, PORFIRIO, JULIANO.

Devemos ainda acentuar que não se encontrou qualquer escrito da época dos evangelistas desmentindo a veracidade dos milagres descritos, o que é mais uma prova a favor da veracidade das narrações evangélicas.

2.      Jesus empregou forças naturais, misteriosas como as que se observam na telepatia. Sem nos recusarmos admitir a existência de fenómenos de telepatia, notemos que entre estes e os milagres de Cristo há duas diferenças fundamentais:

a)      A telepatia exerce-se sobre indivíduos escolhidos, susceptíveis e em determinadas ocasiões e não sobre todas as pessoas, em toda a parte e em todos os momentos
.
b)      Por telepatia nunca se conseguiu ressuscitar mortos, curar doentes ou serenar tempestades.

3.      Os milagres seriam devidos à fascinação dum homem superior, à influência moral de Cristo.

A medicina científica fundada na antiga Grécia no tempo de Jesus era coisa praticamente ignorada dos hebreus da Palestina. Com tais conhecimentos a presença dum homem superior que trata o doente com doçura e habilidade e lhe dá por meio de sinais sensíveis, a certeza da sua cura, é muitas vezes remédio decisivo”.
Justino

Quem ousaria negar que, em muitos casos, à excepção de certas lesões orgânicas bem definidas, a presença de uma pessoa superior não tenha o valor dos melhor expedientes de farmácia?
Só o prazer de a ver, cura, contribuindo ela para isso com a única coisa que tem e pode: um sorriso, uma esperança, que não são inúteis
Renan

Não podemos deixar de considerar que estas afirmações de RENAN em certos casos não estão longe da verdade. Todos sabemos a influência que tem sobre o estado de espírito do doente a presença dum médico em que ele confie, mesmo que ele não lhe dê mais que a amizade e um sorriso. Mas é evidente que isso nunca lhe chegará para curar instantaneamente todas as doenças ou ressuscitar mortos; aliás, o próprio RENAN acentua no texto que citámos – à excepção de certas lesões orgânicas bem definidas. A cegueira, a lepra, para não falar da morte não serão lesões orgânicas bem definidas?

4.      Jesus teria operado os Seus prodígios servindo-se de expedientes vários

Vejamos, por exemplo, como explicam a multiplicação dos pães:

a)      Jesus teria escondido os pães em grutas vizinhas onde os  Apóstolos os foram buscar no momento oportuno.

b)      RENAN não vai tão longe na explicação: os Orientais são muito frugais, contentam-se com pouco.


c)      Jesus induziu aquela gente egoísta e avara a agir generosamente uns para com os outros. Era preciso que fosse de facto um grande homem para transformar uma só família em tal multidão” .
Douglas


O milagre da multiplicação dos pães não seria mais que um milagre de caridade colectiva induzido pela personalidade de Jesus. Alguns traziam um farnel escondido. A multiplicação não seria mais que o compartilhar dos farnéis que muitos egoistamente tinham escondido.

Estas objecções são de tal modo gratuitas que dispensam comentários. A primeira equivale a chamar a Jesus e aos Apóstolos farsantes e, além disso, não se apresenta a mínima prova da afirmação.
No que respeita à segunda, é difícil de compreender como é que mesmo comendo pouco 5.000 homens se contentam com 5 pães e 4.000 com 7.
Quanto à terceira objecção basta uma leitura dos textos evangélicos que relatam tais milagres, para invalidar a hipótese posta.
Por outro lado, como explicar os outros milagres de Jesus?

5.      As curas miraculosas de Jesus são explicáveis por fenómenos hipnóticos

Esta hipótese não pode ser tida em linha de conta pelas seguintes razões:

a)      O modo operatório das curas é nulo ou variado ao contrário do hipnotismo em que a técnica é minuciosa e precisa.

b)      As curas não se realizam em indivíduos escolhidos, mas sobre uma multidão diversa. Os miraculados não são média.

c)      As curas são instantâneas, ao contrário dos fenómenos hipnóticos.

d)     Nunca se conseguiram realizar curas miraculosas por hipnotismo.


6.      As curas miraculosas seriam explicadas pela fé que cura (faith-healing).

Os modernistas (LE ROY, FOGAZZARO, etc.) foram buscar esta ideia a CHARCOT para a empregar como objecção. Dizem eles que se os doentes tiverem fé em alguém que vêm capaz de fazer milagres, bastaria para eles se sentirem curados. Para provarem a teoria apoiam-se sobretudo no facto de Jesus Cristo exigir a fé antes de curar os enfermos.
Todavia não falam dos milagres feitos a distância como o do servo do centurião, nem na natureza das doenças que Jesus curou, nem nos milagres que Jesus fez sem exigir fé. A melhor resposta encontra-se no artigo original de CHARCOT.

O domínio da faith healing é limitado.Para produzir o seu efeito ela deve dirigir-se a casos em que a cura não exige outra intervenção que a potência que possui o espírito sobre o corpo”.
Charcot

Parece-nos que podemos concluir que os factos descritos no Evangelho como miraculosos o são na realidade porque preenchem as condições necessárias para serem considerados como milagres; foram verificados (estão descritos nos Evangelhos), não são explicáveis pela Ciência (vimos isto ao rebater as objecções racionalistas) e resultam de uma intervenção divina.
.


III – CURAS MIRACULOSAS


Além das curas miraculosas feitas por Cristo têm-se descrito muitas mais quer em peregrinações ( Lourdes, Fátima, etc.)  quer por intercessão de santos.
Muito se tem falado sobre estes milagres e todas as posições  têm sido  tomadas desde os que vêem milagres por todos os lados até aos que combatem todos os exemplos apontados. Antes de analisarmos vários exemplos de curas miraculosas vejamos quais as condições exigidas pela Igreja e qual a posição da medicina perante elas.


Condições necessárias para que uma cura seja considerada miraculosa

Para a Igreja, uma cura só é considerada miraculosa desde que compreenda os critérios enunciados por BENTO XIV:

1.      A doença deve ter existido realmente.
2.      A doença deve ser grave e incurável ou pelo menos de cura muito difícil,
3.      A cura reputada miraculosa não deve ter sido precedida de melhoria, pois caso isso tivesse acontecido poder-se-ia pensar numa cura natural.
4.      A cura deve ser súbita ou quase súbita.
5.      Não deve ter sido empregado qualquer medicamento ou caso tenha sido deve ter-se comprovado a sua ineficácia.
6.      A cura deve ser perfeita.
7.      Depois da cura não deve surgir qualquer recaída da doença.

Notemos que a Igreja não nega a possibilidade de milagres menos completos, mas recusa-se a autenticá-los, pois que ela exige caracteres precisos, fáceis de constatar e que excluam toda a possibilidade de erro.
Gardié


O médico perante as curas miraculosas

No Bureau des Constatations de Lourdes, de que pode fazer parte qualquer médico seja qual for a religião ou nacionalidade, as únicas questões postas aos médicos são as seguintes:

1.      A doença descrita pelos certificados existiu realmente?
2.      Houve cura? Foi precedida duma melhoria? Realizou-se com ou sem emprego de medicamentos?
3.      Há razões para suspender a conclusão?
4.      A cura pode ser atribuída a um processo natural?

Nestas questões, as três primeira dizem unicamente respeito aos conhecimentos profissionais do médico. Sob este ponto de vista, a Igreja considera o médico a única autoridade capaz de apreciar a natureza da doença e quais as circunstancias que acompanham a cura. A este respeito o Bureau des Constatations é de tal modo exigente, que um possível miraculado não é considerado por ele como caso digno de estudo se antes da sua cura não tiver sido feito um número suficiente de análises, radiografias, etc., e não tivessem sido ensaiados os meios terapêuticos habituais dessa doença Quanto à quarta questão, levando mais longe a sua investigação, escolheu-se uma palavra que marca a reserva que a Igreja quer impor aos médicos sobre este assunto:poderá ter sido um processo natural?
.
No fundo, é só à ciência médica do médico, a que a Igreja faz apelo. Sobre este terreno científico não lhe dá direito de decidir se há milagre ou não, isto é, se há um facto que passa as leis da natureza de tal modo que deva ser atribuído à intervenção divina, de que é sinal certo. Não se tem portanto o direito de falar de constatação científica da cura miraculosa.
Esta atitude parece-nos totalmente de acordo com atitude actual da ciência. não pode afirmar a existência duma cura miraculosa nem por constatação directa nem por constatação indirecta.
Tiberghien

A ciência não pode afirmar a existência de uma cura miraculosa nem por constatação directa nem por constatação indirecta.

a)      Constatação directa
 Nós podemos ver uma pessoa antes e depois duma cura miraculosa – antes estava doente, depois está curada, mas a causa, o milagre, escapa à nossa observação. Nós observamos os efeitos (a cura), mas não discernimos a causa (o milagre).

b)      Constatação indirecta  - O médico como médico, apenas poderá dizer: a medicina não consegue explicar este facto. A conclusão de que se trata de um milagre só a poderá fazer, baseado no contexto filosófico que expusemos no inicio deste trabalho.





IV – O VALOR DO MILAGRE

Para finalizar este trabalho falta ver qual o papel  do milagre dentro dos planos divinos.
O milagre não é mais do que um meio de que Deus se serve para nos manifestar a Sua existência. O que se passa dia a dia na natureza, a ordem do mundo, etc., deveria chegar para nos fazer ver a existência de Deus, mas para muitos estes fenómenos nada dizem.
É o que nos diz Santo AGOSTINHO:

Estes milagres perpétuos que são a marcha do mundo e o governo de toda a criação, perdem o seu valor pela sua regularidade, a ponto que ninguém  toma em consideração as obras admiráveis e espantosas de Deus que se realizam num grão de semente.
Na sua misericórdia Deus realiza de quando em quando certas coisas que se afastam da marcha usual da natureza com o fim de com estes factos, não maiores mas mais raros, chamar a atenção daqueles que os factos quotidianos não atingiram

Os milagres, embora raros, têm um grande valor na história da Igreja – é por eles que Deus confirmou a missão dos profetas, dos discípulos de Cristo e dos Santos.
O milagre tem portanto, apesar do seu carácter excepcional, uma importância de primeiro plano que um grande erro minimizar. Todavia, é preciso que não nos esqueçamos que os milagres são apenas um meio que Deus nos dá para O conhecermos e amarmos e que não os devemos por conseguinte transformar numa fonte de superstições, nem vermos milagres onde não existem, nem desertar das Igrejas e faltar às obrigações de católicos para ir a locais de peregrinação ou cair na idolatria dos santos milagreiros em menosprezo de Deus. Para que serve afluírem multidões a locais de peregrinação, e ficarem as Igrejas desertas?





Comentários

Mensagens populares deste blogue

Juizo final

Credo

A geraçao de Cristo